CRÔNICA DO ENTENDIMENTO
Nas
minhas tantas tentativas de acabar com o sedentarismo, passei a caminhar pelas
ruas do bairro onde moro. A caminhada serviria para espairecer, desanuviar, não
pensar em nada, além de eliminar meus quilos teimosos. As casas passavam por
mim e em apenas dois dias havia a predileta, a que jamais moraria, as
reformadas, as descascadas. Já sabia dizer quais os cachorros que latiam
exageradamente quando eu passava e os que nem ligavam permanecendo ali deitados
para o mundo.
Nessas
idas e vindas diárias passei a reparar também em um senhor negro, vestido com
um terno cinza escuro, as calças seguradas por um cordão, sapatos sujos, que
varria a calçada com uma vassoura estranhamente improvisada de grandes folhas,
amarradas pelo mesmo cordão das suas calças. Na ida, juntava as folhas e flores
num montinho, na volta, estava agachado na guia fumando seu cigarro. Olhei bem
para seu rosto escravo, diminui o passo, ganhei uma boa tarde que
grosseiramente não respondi.
As
casas e os cachorros já não mais faziam parte do meu cenário, caminhava
pensando naquele senhor que todos os dias varria as calçadas, juntando folhas,
que era, ou não, o possível a ser juntado. Passava por ele e sempre eram
movimentos tranquilos, os montes formados quase que desenhados naquelas
calçadas. O cheiro de um cigarro de palha, o terno, o rosto escravo, as
folhas...
Num
outro dia urinava escondidinho perto de um terreno baldio. Naquela semana
passei por ele com o propósito de dizer bom dia e pude ver sua velhice, sua
boca sem dentes, sua entrega á inalienabilidade, sim porque seu olhar estava parado
no tempo, no seu tempo, era um olhar que nunca mais esquecerei, pois
dimensionava o eterno e o intermúndio.
No dia seguinte não mais caminhei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário