domingo, 23 de setembro de 2012

VAMOS LÁ! SEMANA DAS CRÔNICAS...


CRÔNICA DO ENTENDIMENTO

 

Nas minhas tantas tentativas de acabar com o sedentarismo, passei a caminhar pelas ruas do bairro onde moro. A caminhada serviria para espairecer, desanuviar, não pensar em nada, além de eliminar meus quilos teimosos. As casas passavam por mim e em apenas dois dias havia a predileta, a que jamais moraria, as reformadas, as descascadas. Já sabia dizer quais os cachorros que latiam exageradamente quando eu passava e os que nem ligavam permanecendo ali deitados para o mundo.

Nessas idas e vindas diárias passei a reparar também em um senhor negro, vestido com um terno cinza escuro, as calças seguradas por um cordão, sapatos sujos, que varria a calçada com uma vassoura estranhamente improvisada de grandes folhas, amarradas pelo mesmo cordão das suas calças. Na ida, juntava as folhas e flores num montinho, na volta, estava agachado na guia fumando seu cigarro. Olhei bem para seu rosto escravo, diminui o passo, ganhei uma boa tarde que grosseiramente não respondi.

As casas e os cachorros já não mais faziam parte do meu cenário, caminhava pensando naquele senhor que todos os dias varria as calçadas, juntando folhas, que era, ou não, o possível a ser juntado. Passava por ele e sempre eram movimentos tranquilos, os montes formados quase que desenhados naquelas calçadas. O cheiro de um cigarro de palha, o terno, o rosto escravo, as folhas...

Num outro dia urinava escondidinho perto de um terreno baldio. Naquela semana passei por ele com o propósito de dizer bom dia e pude ver sua velhice, sua boca sem dentes, sua entrega á inalienabilidade, sim porque seu olhar estava parado no tempo, no seu tempo, era um olhar que nunca mais esquecerei, pois dimensionava o eterno e o intermúndio.

         No dia seguinte não mais caminhei.

 

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