quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Surto

Não contente com a resposta 'escrever é uma doença', ainda perguntei ao médico se era contagiosa. Não houve tempo para outra resposta, o médico apanhou a caneta e começou a escrever no antebraço com tal fúria até rasgar a pele em local onde, segundo ele, seria a partir dali o túmulo da palavra. E riu.
Saí dali às pressas, passei a largo de um colégio onde vi jovenzinhos vândalos assinando a chamada na testa do professor, que por sua vez, pegou um aluno desprevenido, tombou-o de bruços e copiou a lição de casa em seu dorso.
O padre prescrevendo penitências à mão do pecador, policiais tatuando a lei em criminosos, senhoras idosas pichando receitas nos muros, observei tudo aquilo e concluí: escrever é uma epidemia. 
Apenas os escritores, pude notar, eram imunes à doença crônica. Poetas, contistas, anedotistas, romancistas, letristas, enfim, todos silenciosamente saudáveis.
Cheguei em casa, sentei à escrivaninha, cujo nome agora teria que ser mudado, peguei de um frasco e emborquei quatros silêncios comprimidos para combater o vírus da palavra.
E enquanto o mundo escrevia atordoado, adormeci sobre o surdo papel em branco, único objeto lúcido num raio de quilômetros.