Leandro e todas as suas
idades sobem ao palco. Como definiu Edu Gomes, para poetizar com tanta
sabedoria só uma alma muita antiga vestida de um jovem de luz. Outro jovem, o
anfitrião André, tentando envelhecer a aparência com sua barba rebenta, recebe
todos com braços abertos no sorriso largo. A cada cerva destampada as nossas
gargantas gargalham, regadas de inspiração. Enrique e Marili comparecem ao
evento. Se você não acredita em almas gêmeas é porque não conhece Enrique e
Marili. Não foram feitos um para o outro, um fez o outro. Certamente eles se
desenharam e fugiram do papel para a realidade. Márcia aguarda o palco vir
buscá-la. Sim, porque Márcia não sobe ao palco, é o palco que sai do seu espaço
limitado, vai até ela, coloca-a em cima dele com suavidade e reverência e a
carrega para iluminar o ambiente ao interpretar cada palavra-melodia
intensamente, como nem o compositor-poeta jamais imaginou. Enquanto isso a
adorável Thati borboleteia sua simpatia pelo bar e pela turma toda. A prima do
Lê, de sangue e amizade. E Leandro segue cantando, dedilhando as emoções que
vão alimentando e fortalecendo nossos corpos famintos de vida, sedentos de
momentos de paz. Márcia canta outra música. Eu, fisicamente presente, me
transporto para longe. Não sei se para ontem ou se para amanhã. O tempo não
existe ao ouvir Márcia cantar. Existe apenas o sempre. Subitamente o local recebe
energias e vibrações de Mestre. Carlos Barbosa e sua alegria chegam para
contagiar a todos. Carlão é tão gente boa que se um dia você achar que ele
pisou na bola com você, a culpa toda é da sua bola que deve estar carcomida e
furada. Jogue-a fora imediatamente e aproveite o Carlão. Marili desde que
chegou se esconde das fotos, nem desconfiando que cada vez que ela pisca eu
preciso dos meus óculos escuros, porque dela saem flashs e flashs e flashs. E o
Enrique com aquele sorriso de nenê? Já repararam no sorriso de nenê do Enrique?
É outra barba-disfarce, pois tantos anos ensinando a moçada transformaram o
rosto dele em um rosto de criança. Seria esse o elixir da juventude? Márcia e
Leandro cantam em dueto. Impressionante a sintonia desses dois. Para mim essa é
a essência do amor verdadeiro, cúmplice e absoluto.
E nós temos o privilégio de
compartilhar, porque eles são generosos em espalhar os seus talentos por aí.
Pausa no som. Neto fica sentado na cadeira, quieto, olhando para o palco momentaneamente
vazio, ainda saboreando melodias. Alê Ferraz, para recuperar o coração das
emoções vividas e sonhadas ali, pega o maço de cigarros e o isqueiro.
Imediatamente toda a incrível turma que foi prestigiar Leandro, a que fuma e a
que não fuma, vai ao fumódromo interagir fumaças, papos, perfumes, abraços,
paqueras, palhaçadas. Depois voltam todos para as mesas porque quase cinqüenta
anos de história aparecem. É um Jairo diferente o que aporta o barco. Um Jairo
comedido em comentários, econômico em brincadeiras. De repente o peso do
aproximado cinqüentenário o fez meditar profundamente sobre os próximos
carnavais. Mas quando Rosana surge imponente pela entrada o novo ancião reage,
esboça um gracejo, fica aparentemente normal. Logo depois Sarah, a Musa Leandrina,
vem abrilhantar a face do amado. E como ela a faz incendiar! E Leandro, mesmo
tocando e cantando tudo observa, tudo escuta. Depois dos eventos, quando vou
contar a ele os acontecimentos, ele já sabe. De quantos cérebros Leandro é
dotado? No adiantado da hora Marili praticamente cansou de se esconder das
fotos, mesmo porque Enrique e Carlão foram acometidos pelo transtorno-compulsivo-
fotográfico. Não dá para ela lutar contra o grupo. André sobe ao palco e manda
ver na percussão. Casais começam a dançar. Celi samba no pé com sua
graciosidade oriental. As cinco horas desta happy hour estão chegando ao fim. É
feito o terceiro pedido para Márcia e Leandro executarem Tenho Fome. Lá vou eu
viajar para um lugar que eu sei que existe. Eu, minha máquina fotográfica, meus
olhos da carne e meus olhos do espírito que registraram tudo, para tudo o que a
gente nem viu permanecer eternamente pulsando em nós.
faroberto
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