Mesmo com minha santa
ingenuidade fiquei levemente desconfiado. O rebento Leandro chegou bem no
momento em que eu acendia o vigésimo quinto free longo da noite e foi logo
sugerindo para eu largar o cigarro e fumar o cachimbo da primeira estória.
Declinei, as agruras pregressas estavam frescas na minha mente e não houvera
ainda a oportunidade de compartilhar o aprendizado com o capitão da nau
desbravadora de oceanos desconhecidos. O travesso insistiu. Não havia
necessidade de tal experiência, comentou. Disse ele que eu era um típico cachimbeiro,
um fumista nato dessa chupeta aspiradora de vapor oriundo de extratos vegetais.
Diante de tamanha confiança em mim depositada, assenti. Segui o ritual de
colocar o tabaco irlandez no devido compartimento conforme as regras vigentes,
peguei o isqueiro, incendiei a borda do aparelho fumador, traguei fortemente e
tossi como uma vaca. Se vocês leram o texto anterior não preciso explicar como
as vacas tossem e eu tossi muito, porque para fazer a combustão se espalhar
pelas folhas solanáceas, há que se puxar com veemência, acarretando a emanação
para os pulmões. Notei um leve sorriso de satisfação irônica na face leandrina,
mas insisti e obviamente a vergonha e a raiva me enrubesceram. Após as várias
insensatas tentativas que realizei, já não mais tossindo como uma vaca, mas em
plena convulsão, o maroto pediu-me candidamente para tentar o pito, não sem
antes me apelidar de boca de neve. Impressionante. Ele pitou e a fumaça saiu
calma e decidida do recipiente, o traquinas puxava e expulsava de si a névoa
tabagenta como se fora, ele sim, um destemido marinheiro. Claro que fiquei tentando
imitá-lo, mas o máximo que me aproximei da façanha foi igualar-me a um náufrago
em bote à deriva. Fumamos, quer dizer, ele fumou e eu tossi por bastante tempo.
Após breve colóquio regado a cervas a respeito de mulheres, músicas, mulheres, poemas
e mulheres, ainda não satisfeito com a adiantada madrugada, foi proposta pelo
espertinho mais uma rodada de cachimbo, pois que sobravam várias cervas na
geladeira. Como um leonino não foge a desafios concordei prontamente, para que
não fosse julgado um fumeta covarde, um reles incompetente sugador e borrifador
de tabacos venenosos. Questionei na hora ao jovem malandro, que naquele momento
não tinha nada de anjo, se ele fizera um rápido treino com o mestre cachimbeiro
da barba espessa, ar intelectual e cabelos suavemente desgrenhados, o que foi
rechaçado sem abalo. Para mostrar a sua sapiência cachimbal, maliciosamente
Leandro acendeu a madeira e generosamente ensinou-me, já sem conseguir segurar
o risinho fácil, a dar uma assopradinha e puxar com menos violência. Dei a
assopradinha, mas o cachimbo praticamente ficou em labaredas, pois leonino é constituído
do elemento fogo, única explicação plausível para aquele fato. Quando a
gargalhada já irrompia da garganta do jovem gozador, consegui coordenar a assopradinha
com a puxadinha, assopradinha e puxadinha e, depois de quase três horas
pitando, consegui dar o meu primeiro trago verdadeiro no inocente equipamento
fumegante. Aí, o Sábio rapaz foi ensinando mais técnicas ao incrédulo Fábio,
comprimindo o tabaco no invólucro, o que não deixava apagar a chama, principalmente
com dois defumadores atuando. Ficamos ali bebendo, pitando, proseando sobre
mulheres, músicas, mulheres, poemas e mulheres até a última gota de cerva, eu
então finalmente embarcado na caravela. Só restando cinzas do tabaco e da
conversa, fomos dormir realizados. Leandro sem conseguir disfarçar o sorrisinho
nos lábios Sábios, enquanto eu adormeci todos os intranqüilos Fábios, sem
imaginar que poucas horas depois, já pela manhã, ao tentar trocar o pneu furado
do carro, mesmo após todos os parafusos serem retirados, o maldito pneu
permaneceria grudado à roda feito nossas bocas no cachimbo ou semelhante aos
nossos lábios nos lábios das amadas. Mistério. Mas essa é uma outra estória,
não tem nada a ver com o cachimbo, nem com lábios, tampouco com as amadas. Ou
será que tem?
faroberto
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