domingo, 30 de setembro de 2012

Do exaustivo exercício da tortura

E depois da vigésima tentativa agarrei-a com as duas mãos e afundei-lhe a caneta bem no lado esquerdo! Ainda assim não esboçou reação. O líquido escuro que jorrava era da tinta. 

*

Passaram-se duas horas e ainda está ali, pálida, inalterável, amarrada à superfície da mesa. Deve estar respirando, mas não manifestou a mínima expressão, nem de dor. Dou voltas em torno.

*

Uma hora depois busco novos métodos de tortura. Preciso arrancar-lhe, é minha função. Juro, já a dobrei toda, deve ser contorcionista. Arranquei-lhe dois dedos de prosa, recitando 'bem-me-quer-mal-me-quer'. Nada.  

*

Apelei para um disfarce... Retorno à sala, agora vestido de batina. Quinze minutos. Acho que ela não é católica, nunca há de confessar. 

*

O torturador se nutre e se fortalece ao ver impressa a dor na face do torturado. Assim, sabe que está avançando, sabe que toda panela-de-pressão tem seu limite, todo leite tem seu estado de fervura que é quando se derrama sujando todo o fogão, mas, diante de um adversário com tal controle, tal frieza, até o especialista mais calejado esmorece, é ele quem perde as estribeiras. Pois bem, me desesperei, me pus de joelhos, às lágrimas, implorando por uma palavra, uma palavrinha qualquer, nem que fosse um bom dia, boa tarde, um grunhido, qualquer coisa. Zero.

*

De repente, passados desespero e raiva, tomou conta de mim uma ternura, um amor delicado, uma afeição materna por ela. Comecei a fazer-lhe cócegas, carinhos, beijei-lhe respeitosamente toda a superfície da pele machucada, e ela súbito reagiu com amorosa violência. De olhos fechados, pude perceber as palavras se atirando em mim como uma rajada de pétalas. 

A crônica estava feita. E a folha de papel, cuja absurda resistência me cansara, estava agora em paz.


(pós-título: 'Do exaustivo exercício da crônica'. Para André Aguirra)

sábado, 29 de setembro de 2012

ROTINA NA RETINA


A rotina não persegue a minha retina.
Faça o que eu faça igual todo dia, noite ou madrugada.

Quero a mesma mulher que amo.
O mesmo abraço dessa mulher é cada dia melhor.
Por ser mais forte é sempre diferente.
A paixão é cada vez mais e muito além quanto eu mergulho.

Quero sempre o mesmo bar que desesperadamente bebo.
Quero nele o mesmo copo, mesa, garçom, lugar.
Nada ali se repete em minha mente
A paisagem sempre muda frente aos meus olhos.

Quero os mesmos amigos de sempre, de mesmos velhos papos que já escutei, porque os ouço como se fora a primeira vez.
E os papos que ainda não soube serão impressionantes, isso já sei.

Quero o meu mesmo trabalho seja ele qual seja
e em qual momento e em qual escritório.
A mesma cadeira, o mesmo telefone e batalha.
O mesmo computador de teclado apagado digitando novas conquistas em novos notebooks.

Quero o mesmo violão que toco há 40 anos, só trocando cordas.
Quero as minhas mesmas palavras, que as embaralho de outra forma.
Quero as minhas mesmas notas e melodias, que faço outro som.
Eu tenho tanto ainda para criar do mesmo sentimento...

Quero a mesma família em todas as vidas.
O mesmo pai, a mesma mãe, a deles sabedoria.
O mesmo filho, a mesma filha e netas, o mesmo deles orgulho que eternamente terei.
A mesma esposa, a mesma estória com começo e fim sempre inesperados.

Mesmo semelhantemente o meu cotidiano é sempre diferente.
Semelhante mente, a minha está repleta de aventuras.
A minha retina está muito louca pra enxergar uma rotina, quem sabe ter um pouco de paz e um sono pouco, só um pouco mais tranquilo.

Mas a rotina não persegue a minha retina.
Faça o que eu faça igual todo dia, noite ou madrugada... 



fÁBIO rOBERTO faroberto

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Se não nasci

para fazer sucesso com singles
nem fazer dindim com jingles
tampouco comer batatas pringles
ou para ganhar algo nos bingous
para tomar de chuva uns pingous
muito menos então, amigous,
pra acordar cedo nos domingous!



(mensagem direta aos bicicleteiros [vulgo ciclistas] de domingo)

MALDOSO

Considerava-se Perverso. Tentava ser o pior homem da face da Terra. 
Nunca dormia o sono dos justos. O seu grande sonho era tornar-se o inimigo público número um.
Mas por pior que tentasse ser, não conseguia. Todos gostavam dele e desejavam conhecê-lo, compreendê-lo e ajudá-lo.
Justo ele que queria ser odiado. Queria ser apontado nas ruas como marginal. Queria ver o seu nome nas páginas policiais como bandido perigoso, para que as pessoas fugissem de medo ao avistá-lo.
Maldoso, fazia cara de ruim, mas as crianças o chamavam de “tio” e iam com ele brincar.
Chutava os cachorros que atravessavam o seu caminho, mas eles voltavam com o sorriso no balançar frenético do rabo.
Vagabundeou, mas lhe ofereceram um ótimo emprego.
Roubou e pelo roubado foi perdoado.
Pecou, desejando a mulher do próximo, mas o próximo se ausentou.
Cansado, caiu na realidade e entristeceu.
Chegou a noite e foi se esquecendo em um canto, afundando em seus pensamentos.
Derramou muitas lágrimas pelo seu fracasso.
Enfim, refletiu e arrependeu-se, compreendendo que não nascera para ser mau.
Começaria nova vida mudando seu modo de ser, agir e pensar, agradecendo a todos que o tinham ajudado até aquele momento.
No outro dia, morreu, e sua alma foi arder no inferno.

faroberto

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

ANDAR (Leandro Henrique e Fábio Roberto)

Dia 30/05/08 no Ao Vivo Music esta música foi interpretada por Marcia Salomon assim:



No baixo, Pedro Marcondes. No violão o meu parceiro Leandro Henrique. Na platéia respeito, silêncio e atenção.

Marcia está emocionada e nos emociona. Toda a luz maravilhosa dessa cantora e mulher incrível está brilhando intensamente.
Em mim a sensação é incomparável. Cada palavra cantada circula imediatamente do meu sangue para minha alma. Que sentimento. Marcia fecha os olhos. A música está dentro dela totalmente e sai por sua boca trazida do seu coração. Que delicadeza em seus gestos.
Que expressão forte e bela tem o rosto de Marcia.
Impregnadas totalmente das palavras e da melodia, a canção e Marcia são uma energia só. A música toda passa a ser somente ela. Somente a sua luz. Que viaja por aquele bar para deixar em cada mente tanto amor. Os olhos das pessoas fotografam o instante para nunca mais esquecê-lo. Só uma foto feita com os olhos pode captar e arquivar eternamente um sentimento tão denso de alegria.
Vejo lá ao lado Leandro flutuando ao dedilhar seu violão. O talento dele é tão grande... e percebo como se esforça para executar essa obra que contém a essência de nossas vidas.
E ele consegue se equilibrar como um mágico, segurando as lágrimas e as notas do seu violão que brilham em seus olhos...
pérolas acendendo num profundo mar...


Da mesa Luciana abraça espiritualmente Leandro com o carinho de toda a vida. Jairo está repleto de Som. Rafa completo de poesia. Percute o ritmo em Renato. Alexandra filma. Monica e Mari compartilham. Sonia não estava lá...mas certamente estava também cantando na mesma hora em vibrações positivas para Leandro.

O transe chega ao fim. Nada escuto. Nada.


Nem sei onde estou ou quem sou.

Aos poucos os aplausos do público me trazem de volta.


Muitos aplausos.

Os sorrisos de Marcia e de Leandro se abrem e se fundem no ar.

Eles se abraçam, mas quem sente aquele abraço sou eu.
Eu, que escrevi palavras simples e verdadeiras para uma melodia tão perfeita criada por Leandro para ser cantada por Marcia Salomon,
estou realizado como homem e compositor.


Mais uma vez a minha vida vale a pena.



Obrigado Marcia, Leandro e Pedro

faroberto

O QUE AS LENTES NÃO CAPTAM


Leandro e todas as suas idades sobem ao palco. Como definiu Edu Gomes, para poetizar com tanta sabedoria só uma alma muita antiga vestida de um jovem de luz. Outro jovem, o anfitrião André, tentando envelhecer a aparência com sua barba rebenta, recebe todos com braços abertos no sorriso largo. A cada cerva destampada as nossas gargantas gargalham, regadas de inspiração. Enrique e Marili comparecem ao evento. Se você não acredita em almas gêmeas é porque não conhece Enrique e Marili. Não foram feitos um para o outro, um fez o outro. Certamente eles se desenharam e fugiram do papel para a realidade. Márcia aguarda o palco vir buscá-la. Sim, porque Márcia não sobe ao palco, é o palco que sai do seu espaço limitado, vai até ela, coloca-a em cima dele com suavidade e reverência e a carrega para iluminar o ambiente ao interpretar cada palavra-melodia intensamente, como nem o compositor-poeta jamais imaginou. Enquanto isso a adorável Thati borboleteia sua simpatia pelo bar e pela turma toda. A prima do Lê, de sangue e amizade. E Leandro segue cantando, dedilhando as emoções que vão alimentando e fortalecendo nossos corpos famintos de vida, sedentos de momentos de paz. Márcia canta outra música. Eu, fisicamente presente, me transporto para longe. Não sei se para ontem ou se para amanhã. O tempo não existe ao ouvir Márcia cantar. Existe apenas o sempre. Subitamente o local recebe energias e vibrações de Mestre. Carlos Barbosa e sua alegria chegam para contagiar a todos. Carlão é tão gente boa que se um dia você achar que ele pisou na bola com você, a culpa toda é da sua bola que deve estar carcomida e furada. Jogue-a fora imediatamente e aproveite o Carlão. Marili desde que chegou se esconde das fotos, nem desconfiando que cada vez que ela pisca eu preciso dos meus óculos escuros, porque dela saem flashs e flashs e flashs. E o Enrique com aquele sorriso de nenê? Já repararam no sorriso de nenê do Enrique? É outra barba-disfarce, pois tantos anos ensinando a moçada transformaram o rosto dele em um rosto de criança. Seria esse o elixir da juventude? Márcia e Leandro cantam em dueto. Impressionante a sintonia desses dois. Para mim essa é a essência do amor verdadeiro, cúmplice e absoluto.
E nós temos o privilégio de compartilhar, porque eles são generosos em espalhar os seus talentos por aí. Pausa no som. Neto fica sentado na cadeira, quieto, olhando para o palco momentaneamente vazio, ainda saboreando melodias. Alê Ferraz, para recuperar o coração das emoções vividas e sonhadas ali, pega o maço de cigarros e o isqueiro. Imediatamente toda a incrível turma que foi prestigiar Leandro, a que fuma e a que não fuma, vai ao fumódromo interagir fumaças, papos, perfumes, abraços, paqueras, palhaçadas. Depois voltam todos para as mesas porque quase cinqüenta anos de história aparecem. É um Jairo diferente o que aporta o barco. Um Jairo comedido em comentários, econômico em brincadeiras. De repente o peso do aproximado cinqüentenário o fez meditar profundamente sobre os próximos carnavais. Mas quando Rosana surge imponente pela entrada o novo ancião reage, esboça um gracejo, fica aparentemente normal. Logo depois Sarah, a Musa Leandrina, vem abrilhantar a face do amado. E como ela a faz incendiar! E Leandro, mesmo tocando e cantando tudo observa, tudo escuta. Depois dos eventos, quando vou contar a ele os acontecimentos, ele já sabe. De quantos cérebros Leandro é dotado? No adiantado da hora Marili praticamente cansou de se esconder das fotos, mesmo porque Enrique e Carlão foram acometidos pelo transtorno-compulsivo- fotográfico. Não dá para ela lutar contra o grupo. André sobe ao palco e manda ver na percussão. Casais começam a dançar. Celi samba no pé com sua graciosidade oriental. As cinco horas desta happy hour estão chegando ao fim. É feito o terceiro pedido para Márcia e Leandro executarem Tenho Fome. Lá vou eu viajar para um lugar que eu sei que existe. Eu, minha máquina fotográfica, meus olhos da carne e meus olhos do espírito que registraram tudo, para tudo o que a gente nem viu permanecer eternamente pulsando em nós.

faroberto

A ESTÓRIA DO CACHIMBO CONTINUA


Mesmo com minha santa ingenuidade fiquei levemente desconfiado. O rebento Leandro chegou bem no momento em que eu acendia o vigésimo quinto free longo da noite e foi logo sugerindo para eu largar o cigarro e fumar o cachimbo da primeira estória. Declinei, as agruras pregressas estavam frescas na minha mente e não houvera ainda a oportunidade de compartilhar o aprendizado com o capitão da nau desbravadora de oceanos desconhecidos. O travesso insistiu. Não havia necessidade de tal experiência, comentou. Disse ele que eu era um típico cachimbeiro, um fumista nato dessa chupeta aspiradora de vapor oriundo de extratos vegetais. Diante de tamanha confiança em mim depositada, assenti. Segui o ritual de colocar o tabaco irlandez no devido compartimento conforme as regras vigentes, peguei o isqueiro, incendiei a borda do aparelho fumador, traguei fortemente e tossi como uma vaca. Se vocês leram o texto anterior não preciso explicar como as vacas tossem e eu tossi muito, porque para fazer a combustão se espalhar pelas folhas solanáceas, há que se puxar com veemência, acarretando a emanação para os pulmões. Notei um leve sorriso de satisfação irônica na face leandrina, mas insisti e obviamente a vergonha e a raiva me enrubesceram. Após as várias insensatas tentativas que realizei, já não mais tossindo como uma vaca, mas em plena convulsão, o maroto pediu-me candidamente para tentar o pito, não sem antes me apelidar de boca de neve. Impressionante. Ele pitou e a fumaça saiu calma e decidida do recipiente, o traquinas puxava e expulsava de si a névoa tabagenta como se fora, ele sim, um destemido marinheiro. Claro que fiquei tentando imitá-lo, mas o máximo que me aproximei da façanha foi igualar-me a um náufrago em bote à deriva. Fumamos, quer dizer, ele fumou e eu tossi por bastante tempo. Após breve colóquio regado a cervas a respeito de mulheres, músicas, mulheres, poemas e mulheres, ainda não satisfeito com a adiantada madrugada, foi proposta pelo espertinho mais uma rodada de cachimbo, pois que sobravam várias cervas na geladeira. Como um leonino não foge a desafios concordei prontamente, para que não fosse julgado um fumeta covarde, um reles incompetente sugador e borrifador de tabacos venenosos. Questionei na hora ao jovem malandro, que naquele momento não tinha nada de anjo, se ele fizera um rápido treino com o mestre cachimbeiro da barba espessa, ar intelectual e cabelos suavemente desgrenhados, o que foi rechaçado sem abalo. Para mostrar a sua sapiência cachimbal, maliciosamente Leandro acendeu a madeira e generosamente ensinou-me, já sem conseguir segurar o risinho fácil, a dar uma assopradinha e puxar com menos violência. Dei a assopradinha, mas o cachimbo praticamente ficou em labaredas, pois leonino é constituído do elemento fogo, única explicação plausível para aquele fato. Quando a gargalhada já irrompia da garganta do jovem gozador, consegui coordenar a assopradinha com a puxadinha, assopradinha e puxadinha e, depois de quase três horas pitando, consegui dar o meu primeiro trago verdadeiro no inocente equipamento fumegante. Aí, o Sábio rapaz foi ensinando mais técnicas ao incrédulo Fábio, comprimindo o tabaco no invólucro, o que não deixava apagar a chama, principalmente com dois defumadores atuando. Ficamos ali bebendo, pitando, proseando sobre mulheres, músicas, mulheres, poemas e mulheres até a última gota de cerva, eu então finalmente embarcado na caravela. Só restando cinzas do tabaco e da conversa, fomos dormir realizados. Leandro sem conseguir disfarçar o sorrisinho nos lábios Sábios, enquanto eu adormeci todos os intranqüilos Fábios, sem imaginar que poucas horas depois, já pela manhã, ao tentar trocar o pneu furado do carro, mesmo após todos os parafusos serem retirados, o maldito pneu permaneceria grudado à roda feito nossas bocas no cachimbo ou semelhante aos nossos lábios nos lábios das amadas. Mistério. Mas essa é uma outra estória, não tem nada a ver com o cachimbo, nem com lábios, tampouco com as amadas. Ou será que tem?

faroberto

A ESTÓRIA DE UM CACHIMBO


Tudo começou em um sarau regado a vinhos. O Sarau da Guaicanãs é um famoso encontro notívago de artistas cultivadores da sensibilidade do espírito, o que fazem etílicamente apreciando poemas e músicas consideradas de alto nível. Eu falo cultivadores do espírito, porque com o corpo ninguém se demonstrou preocupado nesse último evento,  tamanho o desespero do vício inebriante de tantos fumantes de cigarros, raça da qual recuso-me a pertencer oficialmente, pois que não sou viciado como eles e o cigarro, ao contrário do néctar de Baco, não oferece prazer a um paladar sofisticado, muito menos proporciona um aroma delicado aos equipamentos olfativos mais exigentes. Dele, o cigarro, sempre resta apenas a fumaça que um incauto não consegue transferir para os seus pulmões e a despeja ao ar  e às narinas alheias, feito mais um dos dejetos não aproveitados pelo próprio metabolismo, esse uma espécie de pum cancerígeno. Como nunca fui um fumante oficial – não há como admitir pertencer a essa estirpe ralé -, nos períodos em que me entrego a sorver free longos, o faço compulsivamente, maço após maço, numa demonstração inequívoca de que será somente mais aquele trago e nunca mais. Esclarecida essa possível dúvida, ponho-me a relatar que nessa noite do tal sarau regado a vinhos, certo momento em que a névoa do tabaco tornou-se menos densa, divisei um personagem postado pacatamente e longínquo daquela sanha vaporosa. Com sua pose intelectual, cabelos desgrenhados a exemplo de um einstein e sua espessa barba que lembrava uma barba de capitão de  caravela desbravadora de oceanos desconhecidos, esse ser destacava-se do ambiente degustando tranquilamente o seu cachimbo como se nem estivesse ali. Provavelmente não estava, comparecia somente ao desligar-se de sua sintonia etérea para beber vinho, namorar,  brindar-nos recitando versos e dedilhar teclados de marfim (de marfim, pelo menos para ele e para este cronista). Ao ver essa cena discrepante ao todo da paisagem, imaginei que podia eu ao menos ser um tripulante da ousada caravela, manifestando esse desejo a minha amada, que prontamente patrocinou-me a aquisição de um cachimbo, sem o qual não poderia zarpar para a aventura. Calma, leitores, a estória do cachimbo já vai começar. É que depois de várias tentativas para acender o fornilho, estou fazendo uma pausa para tragadas comedidas no tubo aspirador do meu cachimbo, tal qual faz o capitão da caravela. Continuando, confesso que não está sendo fácil essa transformação. Sei-me um extremado ansioso, mas reputo que considero-me totalmente controlador de meus eventuais ímpetos raivosos, posto que aos cinquenta e um anos de idade e avô de gêmeas geminianas, meditei a respeito do equilíbrio latente que me impele a dominar os anseios perversos que poderiam provocar uma reação intempestiva às ações da vida. Reações que não combinam mais com o atual momento evolutivo da minha personalidade. Voltando a estória do cachimbo, para economizar os proventos da amada, comprei o que fui saber depois, o mais vagabundo dos mais vagabundos dos mais vagabundos fumos vagabundos que poderia adquirir. Ainda não dotado de conhecimento a respeito do novo brinquedo de adulto, a inaugural tentativa de pitar foi um desastre. Primeiro, como colocar calmamente o fumo no cachimbo se ele não para em pé? Cerquei-o de livros na altura necessária e, aí sim, após respirar fundo para tornar-me zen, fui despejando devagarinho com a pazinha adequada e, com o socador, fui compactando o fumo no devido compartimento. Sobre o socador gostaria de dizer que quase o utilizei para socar a cara da vendedora do fumo mais vagabundo dos mais vagabundos dos mais vagabundos fumos vagabundos, porque além de vagabundo,  ela tentou empurrar-me um de sabor chocolate. Contive na hora o soco, afinal tudo isso era para provar-me a maturidade. Levei um de sabor rum. Descobri depois que o fabricante omitira o “i” entre o “u” e o “m”. Após colocar metade do fumo, pensando que deveria deixar espaço para incendiar o tabaco, peguei uma caixa de fósforos que gastei inteira sem acender o maldito vagabundo sabor ru(i)m. Sem querer me dar por vencido, fiz com uma pequena madeira uma espécie de cotonete/fósforo e acendi para tragar e tossir que nem uma vaca. Sim, como uma vaca, porque diz o ditado popular.... “nem que a vaca tussa”, então, mesmo que não fumem, as vacas se tossirem tossirão os pulmões fora. Traguei violentamente. A droga apagou. Reacendi. Traguei mais violentamente ainda. Tossi que nem uma vaca tossiria. Apagou. Quase joguei o cachimbo longe, mas evitei porque já sou avô e equilibrado. Nessa hora percebi também que não tenho uma barba uniforme e não sei se combina fumar cachimbo sem uma barba espessa, porque posso fazer a pose intelectual e os meus cabelos são mais desgrenhados que o interior da selva amazônica. Mas recordei também que sou um contestador dos padrões vigentes, portanto danem-se as barbas espessas. Resolvi continuar com a estória do cachimbo, mas realmente eu estava prestes a desistir, devido às dificuldades para fumar a novidade e a ruindade do rum. Entretanto a minha amada, ao saber que eu estava prestes a capitular e buscar um pacote de free longo, com seus olhos meigos e sorriso irresistível perguntou-me se eu desistiria assim tão fácil. Aquilo mexeu com meus brios leoninos. Rugi internamente e respondi, também sorrindo, que nunca desisto. Comprei um fumo irlandez, o mesmo que o capitão da caravela utiliza. e pasmem! Seguindo todos os procedimentos corretos, socando o irlandez até transbordar e usando um isqueiro, queimei o fumo e consegui pitar quase oito minutos,  tragando sem parar para não deixar apagar. Ainda não estou fumando o cachimbo como um especialista, pois há um processo de aprendizagem a passar, mas esta noite o farei de novo. Enquanto isso, vou fumar um free longo, mas só mais este, só mais este....

faroberto

Crônica da solidão

A mulher encostada na janela olhava para o céu enegrecido pela noite, analisando as baforadas que deixavam a imagem turva pela fumaça expelida. Um mosquito pousou atrevidamente em sua mão. Observou o inseto e deixou que a picasse, queria algum tipo de contato, com algum ser.

Naquela solidão que se encontrava a coceira provocada pelo bicho já era um sinal de sensação, precisava das sensações para sentir-se viva. Coçou novamente o dorso da mão. Soltou mais alguns tragos e decidiu beber mais um gole do vinho ácido e ruim.

Pela madrugada que seguia tentou abafar todos os pensamentos que lhe vinham na cabeça. Queria poder dormir sem sonhar, sem produzir sequer pensamento algum. Apenas dormitar. Pegou o livro e leu mais um capítulo lentamente para ganhar umas horas daquele dia que custava a acabar.

Deitou o livro na cabeceira e trocou-os pelas palavras cruzadas. Efeito danoso; estrago com sete letras. Pensou, elucubrou, tinha tempo, veio-lhe injúria. Conferiu. Acertou. Guardou para o outro dia o término do restante. A madrugada era lancinante e aterrorizadora.

O sono chegou-lhe ás cinco. Os sonhos chegaram ás seis. Neles estavam tudo de mais agonizantes e pungentes, eram unha e carne com a realidade, nada tinham de oníricos. Acordou e resolveu passar uma pomada na coceira, era melhor assim.

 Marili Santos

A MOSCA

O tempo parece estar parado. Nada se moveu por uma eternidade até uma mosca pousar subitamente em meu nariz. Não sei por que não consegui mover braços para espantá-la, quando lembro imediatamente da canção “eu sou a moscaaaaa...”. A Brachycera voou e o tempo pareceu parado outra vez, mas há um ventilador girando segundos lentamente. Tão lentamente que não sinto o vento que ele faz. Aliás, nem sinto calor. Percebi que nem pisco afinal o tempo parece não passar. Somente a mosca vai e volta. Ela tem asas e olhos enormes que me fitam fixamente, assim tenho certeza de que o tempo está inerte. Nos brilhantes olhos da mosca vejo refletido um ambiente morto. Como se fosse um fúnebre desenho. Mas não sei como é possível haver movimentos numa imagem estática. Como pode a mosca voar e o ventilador girar, mesmo malemolente, com o tempo e tudo o mais imóvel? Por que não levanto, balanço pernas ou simplesmente grito? Descubro agora o motivo dos meus olhos não piscarem. Eles estão fechados como a porta que também se fecha, não antes de alguém desligar o ventilador e apagar as velas. Aqui somente a mosca continuará voando até cumprir seus trinta dias de vida e o tempo definitivamente parar.

faroberto

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Ícone e Rabicó


Temas de Carlos Barbosa apresentados na 3ª mostra

Surto

Não contente com a resposta 'escrever é uma doença', ainda perguntei ao médico se era contagiosa. Não houve tempo para outra resposta, o médico apanhou a caneta e começou a escrever no antebraço com tal fúria até rasgar a pele em local onde, segundo ele, seria a partir dali o túmulo da palavra. E riu.
Saí dali às pressas, passei a largo de um colégio onde vi jovenzinhos vândalos assinando a chamada na testa do professor, que por sua vez, pegou um aluno desprevenido, tombou-o de bruços e copiou a lição de casa em seu dorso.
O padre prescrevendo penitências à mão do pecador, policiais tatuando a lei em criminosos, senhoras idosas pichando receitas nos muros, observei tudo aquilo e concluí: escrever é uma epidemia. 
Apenas os escritores, pude notar, eram imunes à doença crônica. Poetas, contistas, anedotistas, romancistas, letristas, enfim, todos silenciosamente saudáveis.
Cheguei em casa, sentei à escrivaninha, cujo nome agora teria que ser mudado, peguei de um frasco e emborquei quatros silêncios comprimidos para combater o vírus da palavra.
E enquanto o mundo escrevia atordoado, adormeci sobre o surdo papel em branco, único objeto lúcido num raio de quilômetros.

EU SEI

EU SEI QUE ESSE BLOG CHAMA-SE: POEMAS BRABOS, MAS NÃO DÁ PARA GENTE TER SÓ UMA SEMANINHA DAS CRÔNICAS?????

EI TURMA BRABA: SEMANA DAS CRÔNICAS...


OLHO VIVO

 

Não sei se essa pequena crônica irá amenizar seu dia, mas se for, melhor. Pela tarde, depois de aguentar o calor insuportável e todo o desassossego que o caos dessa capital paulista nos causa, estava eu no trânsito esperando o caótico muro de carros prosseguirem. Minha irritação era muita, por vários motivos que nem valem a pena elencar.

O fato é que pequenas fotografias da vida cotidiana saltaram-me aos olhos, que por uma fração de segundo pode perceber as cenas que ali se desenrolavam, deixando-me tão mais leve que cheguei a sorrir sozinha.

Na faixa de pedestres uma mãe aguardava que seu minúsculo filho saltitasse as listras brancas paralelas. A cena não seria bela se aquela pequena criatura apenas pulasse; mas não, o garoto ria muito, jogava a cabecinha pra trás a cada listra conquistada, pois era um enorme desafio, alcançado e feliz.

Mal esse pequeno e risonho instante ia se concluindo, avistei uma graciosa garça, atravessando a gigantesca avenida, sim uma garça branca, era pesada e até meio desengonçada, rumando quiçá para o Jardim Botânico, ignorando a massa de veículos; livre, solta e alegre.

Percebi que já estava mais leve e concomitantemente nos segundos seguintes ouvi baixinho Chico Buarque cantando Valsa brasileira; aumentei o som ao máximo, e cantei, cantei, cantei até rasgar, com o molequinho saltitando e a garça voando brejeiramente.

Nem percebi que logo estava perto do destino, o trânsito, que trânsito que nada, nem calor nenhum; meu olho vivo, ainda bem alerta (Graças a Deus!) havia aberto as portas daquilo que temos perdido diariamente, o prazer do olhar, do olhar...

 MARILI SANTOS

domingo, 23 de setembro de 2012

VAMOS LÁ! SEMANA DAS CRÔNICAS...


CRÔNICA DO ENTENDIMENTO

 

Nas minhas tantas tentativas de acabar com o sedentarismo, passei a caminhar pelas ruas do bairro onde moro. A caminhada serviria para espairecer, desanuviar, não pensar em nada, além de eliminar meus quilos teimosos. As casas passavam por mim e em apenas dois dias havia a predileta, a que jamais moraria, as reformadas, as descascadas. Já sabia dizer quais os cachorros que latiam exageradamente quando eu passava e os que nem ligavam permanecendo ali deitados para o mundo.

Nessas idas e vindas diárias passei a reparar também em um senhor negro, vestido com um terno cinza escuro, as calças seguradas por um cordão, sapatos sujos, que varria a calçada com uma vassoura estranhamente improvisada de grandes folhas, amarradas pelo mesmo cordão das suas calças. Na ida, juntava as folhas e flores num montinho, na volta, estava agachado na guia fumando seu cigarro. Olhei bem para seu rosto escravo, diminui o passo, ganhei uma boa tarde que grosseiramente não respondi.

As casas e os cachorros já não mais faziam parte do meu cenário, caminhava pensando naquele senhor que todos os dias varria as calçadas, juntando folhas, que era, ou não, o possível a ser juntado. Passava por ele e sempre eram movimentos tranquilos, os montes formados quase que desenhados naquelas calçadas. O cheiro de um cigarro de palha, o terno, o rosto escravo, as folhas...

Num outro dia urinava escondidinho perto de um terreno baldio. Naquela semana passei por ele com o propósito de dizer bom dia e pude ver sua velhice, sua boca sem dentes, sua entrega á inalienabilidade, sim porque seu olhar estava parado no tempo, no seu tempo, era um olhar que nunca mais esquecerei, pois dimensionava o eterno e o intermúndio.

         No dia seguinte não mais caminhei.

 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Anti-ode à zica *

Oh não se dispa!
Chispa daqui 
Ô doida bispa 
Das calças caqui

Anti-musa, vespa
Lambedora de saquê
Tua peruca crespa
Embebida em laquê

Empestam tudo as caspas
De coco ralado em tua peroba
Cuspiste até nas raspas
Do tacho de minha gororoba...

Bruxa das verrugas no olho
Loba das murchas tetas
Traque, bulha, trambolho
Deixa em paz ao menos os poetas!




 * Corruptela de ziquizira, que é mãe da uruca, do azar, do enguiço, tia do ninho-de-urubu etc.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

TURMA AMADA

TURMA PIRA
GENTE BRABA
CHURRASCADA
IMPUGNADA

A PIRA ACESA
LIPOASPIRADA
GORDURA CAI
CERVEJADA

TURMA PIRA
ENTOADA
DECLAMADA
OVACIONADA

TURMA BRABA
AJUNTADA
SEMPRE ARMADA!
E, CLARO: AMADA!

DEDICATÓRIA OU PUXA-SAQUISMO MESMO: PARA TODOS OS INTEGRANTES DA AMADA E SENSACIONAL TURMA BRABA!

Brabolimpíadas

Turma braba também é turma de atleta
Esportistas andam até de bicicleta
Aos domingos muitas milhas de magrela
Pedalamos com o bar de sentinela

Profissionais na categoria joquempo
Esmurra o tórax a la King Kong
Outro esporte aparece bem a tempo
Estão em mãos raquetes de ping pong

André

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Churras brabo

O carvão em brasa a esquentar os ânimos.
A panela no fogo está de óleo em tudo.
Cada lábio é um milho de pipoca, mudo,
de repente, às gargalhadas, magnânimos.

Estouram, algazarram, às manadas
tornam-se milhares de dentes,
apenas sorrisos sem som quentes
ardendo após o calor das risadas.

Sai o sol e cai o sal que apascenta.

Churras brabo, onde me acabo
e principio-me outro. Me descasco
da pele da rotina (que é o diabo!).
Nunca deveriam ter fim: mãe e churrasco.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

DES ATINO



Amanheço e já reconheço, qual foi o eu que dormiu comigo?

Será que posso dizer nosso nome?
Me abraça de frente ao espelho e  veja!
Me olha do lado esquerdo

Que é só des contínuo...

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

CRÔNICA DA SOLIDÃO


A mulher encostada na janela olhava para o céu enegrecido pela noite, analisando as baforadas que deixavam a imagem turva pela fumaça expelida. Um mosquito pousou atrevidamente em sua mão. Observou o inseto e deixou que a picasse, queria algum tipo de contato, com algum ser.

Naquela solidão que se encontrava a coceira provocada pelo bicho já era um sinal de sensação, precisava das sensações para sentir-se viva. Coçou novamente o dorso da mão. Soltou mais alguns tragos e decidiu beber mais um gole do vinho ácido e ruim.

Pela madrugada que seguia tentou abafar todos os pensamentos que lhe vinham na cabeça. Queria poder dormir sem sonhar, sem produzir sequer pensamento algum. Apenas dormitar. Pegou o livro e leu mais um capítulo lentamente para ganhar umas horas daquele dia que custava a acabar.

Deitou o livro na cabeceira e trocou-os pelas palavras cruzadas. Efeito danoso; estrago com sete letras. Pensou, elucubrou, tinha tempo, veio-lhe injúria. Conferiu. Acertou. Guardou para o outro dia o término do restante. A madrugada era lancinante e aterrorizadora.

O sono chegou-lhe ás cinco. Os sonhos chegaram ás seis. Neles estavam tudo de mais agonizantes e pungentes, eram unha e carne com a realidade, nada tinham de oníricos. Acordou e resolveu passar uma pomada na coceira, era melhor assim.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Corte de juros

Não serão mais admitidos juros.
Juro que vou!
Juro que escrevo!
Juro que pago!
O próximo será recebido aos murros.

Não serão mais admitidos patos
Visto que eles por si só
Que com dedos grudados que nascem
Não conseguem fazer outro gesto
Que não seja o tchau e um quack*

Não serão mais  admitidos poetas!
Que calar o bico
Juntar os dedos
Ficar com medo
Negar que é inato
Vil arrebato
Juro que mato


André

* som que os patos fazem

CRÔNICA DOS DEZ POR CENTO


Noventa por cento das “cagadas” humanas são por conta da burrice ou da insegurança. A primeira deve-se a um estado doentio do ser, cuja cura é impossível, é o câncer da mente. A segunda, essa sim, é digna de estudo e observação, possui estágios patológicos, assume relações mercadológicas, estéticas, pueris, enfim...

A maldita associada à carência então, nem se fala, é digna de palhaçadas, entregas estúpidas, ostracismos, exageros; assumindo um antagonismo na alma humana que requer um estudo mais detalhado, do qual nenhum acadêmico consegue decifrar. Ela salga a comida, interrompe o namoro, suspende a pena ou branqueia o papel, atrapalha o trânsito, condena os inocentes e absolve os choldras, esconde os poetas e mentirosos, aniquila o corpo, aumenta os seios, alisa cabelos, estraga amizades, provoca os abortos, suspende o chofre.

A perversa aliada à raiva é cruel, desencadeia ódio, fortalece os estragos físicos e emocionais, liberta a maldade e a loucura dos homens. A incompreensível insegurança, somada à personalidade permite que as pessoas convivam com este bem e/ou mal em escalas variáveis. Alinhando situações, bordando decisões e escolhas na tentativa estúpida de conseguir os apenas dez por cento de acertos felizes durante toda uma vida.

Resta-nos, portanto, entre uma “cagada” e outra - inseguros destemidos ou não, conscientes ou não, intuitivos ou lúcidos - assumirmos que sem ela, certamente, a humanidade se descortinaria no caos das entregas, das verdades absolutas, dos pedantismos exacerbados, das mortes justificadas e muito provavelmente não saberíamos o que fazer com tudo isso!

 

terça-feira, 4 de setembro de 2012

BUNDA MOLE


Ele

Mas, que é isto?
Você prometeu, jurou, correu,
Até  pensou
E ainda nada?
O meu amor ali parada me esperando
Para nos esfregarmos, gastura de prazer,
Lambuzar o branco, manchar o imáculo
E, ao final, estrebuchar
Numa mistura de riso e choro
Olha, ela é impaciente, vem outro e logo é crau!
E eu, de cabeça duríssima
Enquanto você dá desculpas,
Nem isto
Bunda mole, vai criar micose ai sentado
Vendo jogo, novela, ou pior,
Dormindo
Enquanto a vida passa, e, olha... passa
Suas filhas, nem na puberdade acompanhou
Será que é cego, míope, vesgo, estrábico?
Bunda mole micosado.
Estragado.
E coitada,meu amor lá
Branquinha, límpida
Ela acha tudo isto um saco
Até pensa em entregar-se até às canetas
Que são do mesmo gênero
E eu, preto, forte,duro, poderoso,
Agora cheio de pó e teias de aranha
A lida te carrega
Bunda mole micosado,

 Enquanto isto, o violão chora

Ela

Aqui deitada, acomodada, descansando
Pelo jeito, eternamente descansando, né ?
Toda branquinha, magra, esfuziante
Uma brasa latente, aguardando meu negão
Que vem sempre duro, forte
Me rasgando toda,
Mas, o Bunda mole não se mexe
Né, Bunda mole?
nem olha para nós
Avarento, desousado, preguiçoso, um velho narigudo
Nem continho, uma frasezinha, um ponto e virgula
Nada
Quem sabe o neném rabisque tudo quando chegar
Me desenhe, tatue, pinte e borde
E faça o que o Bunda Mole se diz incapaz!!!

Conto de Jairo Araujo para a III Mostra Artística Temática da Turma Braba. Tema: Micose.

ARTE-CULINÁRIA

Iguaria preparada por Celi Marih para a III Mostra Artística Temática da Turma Braba. O tema-prato Tubarão foi vorazmente devorado pelos artistas-predadores.

ZUMBIDO


NA CALADA DA NOITE
UMA NOITE CALADA
UM AÇOITE
UMA ESPADA
QUE VOA E ZUMBE
NA ENCRUZILHADA

HÁ O OLHO QUE ESPREITA
HÁ O OLHO ESPERTO
HÁ AQUELE QUE ACEITA
HÁ O OUTRO INCERTO
HÁ O OLHO NO ESCURO
HÁ O QUE VÊ E NÃO VÊ NADA

NA NOITE CALADA
NEM O APITO
DO GUARDA

SÓ UM GRITO
PICHADO NO MURO

faroberto

Os olhos da cara

A alegria é uma imensa lona armada, 
cuja bilheteira é a própria dor.
O sorriso é a grande abertura.
A risada, o salto ornamental da voz.
A gargalhada: vogais em piruetas.
O soluço é a palavra tropeçando
na corda bamba do silêncio.
Um palhaço sai do olho do mágico.
Uma lágrima cai do trapézio dos cílios.
Intermezzo...    
Senhoras e senhores, fim do espetáculo.
A vida é o granfinale da alegria,
cuja entrada é gratuita. 
A saída 
é pelos olhos da cara.


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

SORRISO


Viver é doloroso
Por isso o poeta sofre
Nasceu audacioso
Sua sorte jaz num cofre

Viver é doloroso
Por isso o poeta canta
Faz-se de corajoso
E das tumbas se levanta

Viver é doloroso
Por isso o poeta escreve
Um texto pecaminoso
Até isso ele se atreve

Viver é doloroso
Por isso o poeta ama
Cada dia milagroso
Ao lado da sua Dama

Viver é doloroso
Por isso o poeta cansa
E num gesto majestoso
Despede-se numa dança

Mas ele vai sorrindo
Quase inda esperançoso
Por isso o poeta findo
Viver é doloroso


faroberto

domingo, 2 de setembro de 2012

Carapuça

Como um silêncio crônico
Escurece aos poucos

Bulbo suga último suspiro
Mudo e  cinza
Fundo tento mais um
Mundo sobre meu peito 
Suco d'alma escorre

Sucumbu
Mudo
Fundo
Fundo

André

(Poema apresentado na III Mostra Artística para o tema "Carapuça".)

CALOTE POLAR


CALOTE NO PAÍS

ESTÁ COMUM DE VER

CALOTE NA POESIA

É VERSO SEM PRAZER

CALOTE NA NATUREZA

É ÁGUA DERRETER!

 

CALOTE NA POESIA

É ÁGUA DERRETER

CALOTE NA NATUREZA

ESTÁ COMUM DE VER

CALOTE NO PAÍS

É VERSO SEM PRAZER!

 

CALOTE NA NATUREZA

É VERSO SEM PRAZER

CALOTE NO PAÍS

É AGUA DERRETER

CALOTE NA POESIA

ESTÁ COMUM DE VER!
 
POEMA FEITO ESPECIALMENTE PARA A III MOSTRA ARTÍSTICA E CULTURAL DA TURMA BRABA

A FÁBULA DO TOILLETTE

Seja chamado de  toillete, wc, banheiro, bathroom, latrinas ou simplesmente banheiro, trata-se do lugar mais democrático do mundo.
Gordas, modelos, feias, periguetes ou anãs; galãs, esqueléticos, bombados, obesos ou baixinhos; bom ou ruim, no banheiro todos se igualam, desnudam corpo e alma, despojam-se de vergonhas, orgulhos e roupas. Fitam o espelho fazendo caretas ao escovarem os dentes. Tiram as dentaduras, penteiam as madeixas, passam cremes e batons, fazem exercícios, se barbeiam. Massageiam seios, pernas, costas e egos, masturbam seus sonhos eróticos, fazem necessidades ou até coisas sem necessidade alguma. Leem, estudam, respondem emails, trabalham no lap top. E banham-se após um carinhoso ensaboar das partes íntimas ou comuns, públicas ou privadas.

Pois foi ali que tudo aconteceu: a rebeldia de uma privada pública.

Certo dia em um determinado banheiro de rodoviária daqueles com sachezinhos, sabonetinhos, toalhinhas, balinhas, remedinhos e no qual se paga alguns reais para utilizar, uma antiga privada, após assistir a propaganda eleitoral e cansada após anus e anus de lida ininterrupta enviando dejetos para a profundeza dos esgotos, revoltou-se por não ter perspectiva de uma justa aposentadoria, um descanso merecido pela valorosa labuta diária, enquanto os grandes responsáveis pelo seu excessivo trabalho locupletavam-se em seus cargos mentindo na TV.

Sonhava um mundo melhor, justo, eternamente limpo, perfumado com aroma de notas florais e verdes, fragrâncias de ar fresco, delicado e marcante.
Mas eis que o apertar do botão da descarga a despertou para a dura e mal-cheirosa realidade. As nádegas de um político em campanha nela sentaram, soltando um fétido pum. A frustração, raiva e revolta a-cu-muladas fez a privada reagir. Não exatamente pelo pum, mas sim porque político só faz merda e ganha mais do que qualquer um, pensou ela.

Foi instintivo. Reunindo todas as suas forças sugou o político bundão com tanta violência que o fez o dobrar-se ao meio, engolindo o incauto para o seu buraco negro.

Satisfeita pelo ato, deu um arroto que veio pelos canos formando borbulhas em sua água. Imediatamente pôs-se a bater o assento na estrutura de louça, divulgando a façanha que se espalhou como um viral de cabine a cabine daquele sanitário, depois para os banheiros dos prédios vizinhos e assim sucessivamente, contagiando todas as privadas da cidade, que absorveram cada político desavisado que tentou se livrar dos próprios detritos.

E eles foram tragados para depois aparecerem boiando nos rios, sendo salvos com nojo pelos bombeiros. Nenhum banheiro escapou: prédios comerciais, shoppings, restaurantes, residências, templos, assembleias, câmaras. Foi ridículo ver vereadores urinando em postes, muros, árvores e deputadas defecando em vasos, baldes, matinhos. Alguns mais pudicos, como o prefeito, entrelaçavam as pernas para segurar ao máximo as vontades, mas não houve jeito. Cedo ou tarde fizeram nas calças ou calcinhas.

Compraram fraldas, apelaram para lenços umedecidos, ressuscitaram bidês e penicos, tudo se esgotou. Em vão, as privadas foram irredutíveis. Sem alternativa os vereadores, deputados, secretários e prefeito renunciaram aos respectivos mandatos. Instalou-se a anarquia no município.

O povo nomeou livremente representantes para negociar os direitos das privadas com a líder revolucionária. Com tanta verba disponível as privadas conquistaram piso salarial e registro em carteira; assessores permanentes para limpeza; férias remuneradas; décimo terceiro, quarto e quinto salários; adicional por insalubridade; garantia de fundos e aposentadoria integral após quatro anos de serviços. A partir daí passou-se a respeitar a vida pública da privada.

MORAL DA ESTÓRIA:
VIVER DE MERDA SÓ FÁBRICA DE ADUBO E PRIVADA!

faroberto
para tema Toillette na Terceira Mostra Artística Temática da Turma Braba