quarta-feira, 27 de março de 2013

Vinte e Quatro Horas


Sempre considerei injusta a divisão dia/noite tão equilibrada. O dia tem o sol nascendo com seu calor e aconchego, a natureza parindo em cada flor que desabrocha, pássaros cantando, trabalhadores se empilhando no transporte público ou seguindo roboticamente solitários em seus automóveis. O padeiro que vai assar os nossos pães, a mãe que leva o filho ao aprendizado escolar, os cães procurando ossos por ofício, os amantes que deixam um motel, o bandido que se esconde em sombras, carroceiros catando o lixo do lixo, beijos que encontram lábios já de saudade ou lábios que se selam formalmente num até depois. Quando? Quanto?

Mas a noite tem tudo isso e os bêbados vagando, as prostitutas sem prostíbulos ou esquinas fazendo sexo com quem procura amor, o apito do guarda noturno em si bemol, pessoas uivando suas melancolias, bebês chorando serenatas, canções sendo compostas por gênios que nunca terão aplausos, a lua num céu que só poetas enxergam, estrelas que já passaram por ali, corujas procurando ninhos no cimento e passos muito mais consistentes porque o escuro é mistério, medo, dúvida e certeza.

A mulher que eu amo é dia, mas é muito mais noite. É tudo e além. É sempre um querer sem medidas, um relógio que eu queria atrasar para ter um pouco mais de alegria e adiantar para ser eterno prazer.

É injusta a divisão dia/noite tão equilibrada, porque a noite é agora e esperança, o dia é amanhã e realidade.

A gente sonha e vive muito melhor na noite que nunca acaba.


Fábio Roberto