segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Tempo Louco


Acordei, mas ainda estou deitado
esperando que venham me buscar.
Que me enxuguem e me levem
para algum outro lugar.

Tempo louco, tempo louco...
Olha pra cima, nada vejo.
Olho pra baixo, não há nada.
Falo, mas não escuto minha voz.
Falo alto e ninguém ouve.
Falo claro e não me entendem.
Falo cada vez mais fácil e tudo se torna mais difícil.
E me complico no nó que desembaracei.
E me enforco.
E no sufoco desse contratempo procuro um tempo
pra ser um momento.
Onde andam agora os ponteiros dos relógios?

Tempo louco, tempo louco...
Não me encaixo neste espaço largo.
Não suporto este clima ameno.
Faço luz e ela me foge para onde já está aceso.
Faço imagens e elas se formam onde já está desenhado.
Faço o lugar e ele se coloca onde já está povoado.
Pego flores, me machuco.
Pego armas, não me ferem mortalmente.
Vou em busca de algo, não sei aonde.
A estrada a tempestade a desfez.
Não posso voltar. O vento apagou os meus passos.

Tempo louco, tempo louco...
Eu me chateio e paro.
Se me aquieto me provocam.
Não aguento se me queimam e não arde.
Corro e não alcanço o cansaço.
Eu me agonio e não alcanço o desespero.
Eu me acalmo e ultrapasso a paz.
Entristeço, mas é um choro sem sentido.
Ainda não derramei todo o meu suor,
nem vi o vermelho do meu sangue.
Não fiz nada. Nem bem, nem mal. Nem mais ou menos.
E não sorrio, se não sei o que é alegria.
Não me afeiçoo, se não sei o que é amor.
E não odeio, se perdi o coração por aí.


Tempo louco, tempo louco...
Eu enlouqueço e me vejo normal dentro da minha cabeça.
Mas não me vejo no espelho e o arrebento,
para vê-lo simples.
Eu escorrego em meus sentimentos.
Eu explodo dentro do meu corpo.
Não há o que me segure nem onde segurar.
Não me desmonto em pedaços, nem recolho as minhas sobras.
Só uma parte do meu grito.
Sem medo ou coragem, sem vácuo ou ar,
eu respiro minhas decisões injetando em minhas veias incertezas.
Onde foram girar os ponteiros dos relógios?

Tempo louco, tempo louco...
Eu me toco e não me sinto.
Canto e o som não é música.
Escrevo, mas não são palavras.
Será que vivo e não há vida?
Será que vivo e é só um sonho?
Pesadelo é mentira. Realidade é desculpa.
Verdade eu não sei o que é.
Nem sei o porquê da minha confusão.
Esqueceu-me a pergunta, agora que já a respondi
como os trovões não existem após os raios.

Tempo louco, tempo louco...
E já é tarde, mesmo sendo manhã.
Choveram ideias onde era impossível o raciocínio.
Deu-se resposta onde não era dúvida.
Permitiu-se a escolha onde não se sabia discernir.
E alagou-se onde já havia transbordado.
Afoguei-me.
E minha mão rígida, contraída, ficou pra fora
pedindo socorro.
Precisava agora e a apertaram tarde.
Quando chegaram perto eu já estava longe.
Tempo louco, tempo louco...


a John Lennon, em 08 de dezembro de 1980, ao som de Imagine.