quarta-feira, 2 de agosto de 2017

O ANO NOVO

O Ano Novo resolveu não nascer. De soslaio perscrutou o ambiente e resolveu continuar no casulo. Não gostou de nada do que viu. Que adianta chegar e tudo ser igual ou pior? Para que novamente tantas falsas promessas ou esperanças que seriam frustradas? Que ficasse tudo como estava, o Ano Velho se perpetuando coberto de insensatez, injustiças e maldades. Quem sabe a realidade se tornando tão cruelmente perene, pudesse em algum momento a vida sorver com a língua suas lágrimas.

E assim, decidido e irredutível, o Ano Novo fechou os olhos e adormeceu na manhã do último dia do Ano Velho. Este, ancião em frangalhos e com a alma carcomida pela dor, desesperou-se e gritou implorando descanso aos céus. Os Senhores do Tempo, subitamente surpreendidos pela inusitada ação do Ano Novo, convocaram uma reunião com todos os Anos Antigos, que estavam muito mais antigos, pois desde que o mundo se tornara mundo um se somava ao outro sem recesso, portanto o ano I era o Pai de Todos. O Pai de Todos os anos falou aos Senhores do Tempo que aquilo era inadmissível, um absurdo, uma afronta. Como aquele rebento que nem saíra ainda das entranhas da mãe eternidade se rebelava contra a lógica da existência? Exigiu uma providência enérgica falando em nome de todos os Anos Antigos e principalmente pelo Ano Velho atual, que tremia em espasmos desesperados, numa espécie de Parkinson aflorado pelo medo. Mas o que os Senhores do Tempo poderiam fazer? Não havia como obrigar o Ano Novo acordar se ele não quisesse. A situação foi piorando e ficando catastrófica, pois no planeta os preparativos para as festas da virada do ano prosseguiam despreocupadamente, até que o Ano Velho avisou que exatamente à meia-noite também adormeceria para o horizonte.

E assim aconteceu. Sob os olhos estupefatos dos Senhores do Tempo e defronte aos boquiabertos Anos Antigos, o Ano Velho deitou-se em nuvens ao lado do Ano Novo, apagando-se rapidamente. Silenciosos e num sono profundo, ambos passaram a sonhar o mesmo sonho: um tempo que merecesse ter continuidade. Ninguém ainda percebeu que desde aquele dia o ano não muda, não vai pra frente nem retorna. E os dois ainda estão lá, sonhando. Quem sabe desta vez, quem sabe desta vez o Ano Novo acorde...


Fábio Roberto

Um comentário:

PAULO TAMBURRO. disse...


Absolutamente belo, este seu texto!

Nos dias atuais até o Ano Novo sofre de depressão.

Um abração carioca.