sexta-feira, 18 de novembro de 2016

CARTA DE DESPEDIDA

Decidi virar um ermitão. Amanhã irei embora para longe, sem passado. Não tenho grana para deixar. Rasguei todos os meus documentos, cartões de todos os tipos. O violão também fica. Que o pegue quem quiser. As minhas pastas de músicas, os cadernos de poesias, contos e palavras soltas ficarão na gaveta, junto com cds, fotos, filmes e todas as lembranças de quem não sou mais. Os computadores e seus arquivos não me sobram importância. Os bancos que busquem os carros, pois para onde vou só chego com meus pés. Estou muito aliviado em me transformar finalmente num ser arredio e solitário. Prefiro estar à margem desta sociedade cansativa e rotineira. Que bom deixar o cabelo crescer até os ombros, nunca mais colocar um sapato. Não precisar falar bom dia, boa noite, boa tarde, como vai, e aí, tudo bem, quanto tempo, te amo, te quebro, que raiva, que alegria, que merda, que delicia, me liga, quanto custa, quanto falta, que horas são... Que maravilhoso será o silêncio da minha mente ausente de sonhos, desejos, vontades, frustrações, arrependimentos, orgulhos, realizações. Mais nenhuma oração será preciso, darei descanso eterno a Deus. Uma existência sem celular, tv, rádio, notícias, emails, pessoas, bondade ou maldade. A minha boca não sentirá mais os sabores amargos das bebidas que fizeram tão mais doce a realidade que terminou. Deixarei livres todas as pessoas que amo, porque amar de verdade talvez seja assim. Amar e partir. Amanhã, quando subirem as cortinas dos meus olhos, seguirei esse destino derradeiro. Será impossível me seguir porque estarei escalando uma montanha que só eu vejo. E lá na minha caverna, bem no topo, admirando o horizonte do mundo a luz de uma fogueira aconchegante e sentindo o abraço da escura noite, aquela maldita e única lágrima secará em meu rosto. Vou fechar os olhos respirando o cheiro de mato trazido pelo vento e sorrir. Vou voltar a sorrir por estar novamente tão perto e tão longe da vida.


 Fábio Roberto

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